Microecossistemas urbanos: o papel das epífitas e hemiepífitas nas cidades
- Luciano Goulart
- 31 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de ago.
Texto adaptado de estudo do Mata Urbana (Escola de Arquitetura) em parceria com o departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e apresentado no IV Fórum Latino Americano e Caribenho de Florestas Urbanas.
Desde a minha primeira visita ao Rio de Janeiro, lá por volta dos anos 2000, estranhei com admiração a presença de inúmeras plantas epífitas nos troncos das árvores em qualquer ponto da cidade. Algumas samambaias, cactos que parecem fios de macarrão e bromélias dão uma aparência tropical muito interessante à paisagem urbana.
Em contrapartida, Belo Horizonte é uma cidade com pouquíssimas espécies epífitas nas árvores urbanas, a despeito de algumas poucas exóticas - e algumas invasoras - inseridas propositalmente por projetos paisagísticos.
Imagens do autor, tiradas em São Paulo e Rio de Janeiro.
Vale explicar que epífitas são plantas que crescem sobre árvores ou rochas, sem contato direto com o solo, dependendo da umidade e do ambiente aéreo para sua sobrevivência. Hemiepífitas, como a Costela-de-Adão, podem germinar sem contato com o solo, mas, eventualmente, suas raízes alcançam o substrato para absorver nutrientes — o que também ocorre com epífitas acidentais, como a figueira mata-pau, que germina no tronco de outra árvore, mas precisa das raízes no solo para continuar crescendo. Diferentemente das plantas parasitas, essas espécies não prejudicam a planta hospedeira, pois não penetram seu sistema vascular.
Curioso pela diferença muito nítida na abundância e diversidade de epífitas em diferentes localidades do Brasil, decidi investigar o tema e convidei a doutora em botânica Flávia Santos para orientar a mim e ao João Abdo em um estudo que investiga a causa dessa baixa diversidade natural na região de BH e quais são as espécies nativas da localidade. O objetivo final deste trabalho era oferecer uma base de dados que pudesse subsidiar uma pesquisa sobre a disponibilidade e viabilidade comercial dessas plantas para uso no paisagismo urbano, visando reintroduzi-las no ambiente construído de BH.
Uma das hipóteses que levantamos consiste no somatório de dois fatores chave: o clima da região, marcado por um período seco atenuado e longo com pelo menos 4 meses sem chuva, somado à urbanização acelerada como a de BH contribuem para a pouca presença de epífitas na cidade. Ao contrário de outras capitais brasileiras que se desenvolveram ao longo de cinco séculos no litoral úmido ou próximo a ele, Belo Horizonte cresceu exponencialmente em menos de um século e em uma região mais seca. Esses fatores fizeram com que a natureza não tivesse um respiro entre as fases de crescimento urbano, confinando as epífitas para as poucas matas ainda preservadas.
Realizamos um levantamento de espécies nativas da região da bacia hidrográfica do Alto Rio das Velhas (que compreende os municípios de BH, Nova Lima, Itabirito, Raposos, e Rio Acima e parte de Ouro Preto) por meio das plataformas Flora e Funga - o maior banco de dados botânicos do mundo do Jardim Botânico do Rio de Janeiro - e o SpeciesLink - uma base de dados aberta para ocorrência de plantas.
Nosso estudo encontrou 213 espécies de plantas epífitas divididas em 6 famílias botânicas com ocorrência natural registrada para a região analisada. São diversas bromélias, cactáceas, aráceas, piperaceae e polipodiáceas que podem apresentar um enorme potencial paisagístico para aplicação nos jardins e árvores urbanas de BH.

Importa ressaltar que, entre 213 espécies nativas, as que são mais ativamente multiplicadas na cidade são exóticas, tóxicas para animais e de hábito invasor: Singônio (Syngonium podophyllum) e Jibóia (Epipremnum pinnatum).

A presença dessas plantas nas árvores urbanas traz benefícios estéticos - cada árvore poderia se tornar um pequeno jardim complexo - e ambientais. O aumento da superfície foliar contribui para a filtragem de partículas poluentes do ar, melhorando sua qualidade, além de reduzir ruídos urbanos. Também ajuda a retardar o escoamento das águas pluviais, diminuindo alagamentos e aumentando a eficiência da drenagem urbana.
Há, contudo, um risco para o manejo das árvores habitadas por muitas plantas epífitas: se muito abundantes, podem acumular água e favorecer a proliferação de fungos, que apodrecem os galhos e troncos e aumentam a incidência de quedas das árvores. Em Belo Horizonte, dificilmente este cenário ocorrerá.

Ainda existe o mito que associa bromélias a focos de Dengue. Na verdade, isso só ocorre se a água no interior das bromélias estiver limpa: A planta utiliza a acidez da matéria orgânica para digerir detritos e larvas. Portanto, lavar as bromélias - prática comum - acaba facilitando a reprodução do mosquito.
Espero poder realizar parcerias com prefeituras e empresas para resgatar essas espécies de áreas desmatadas e plantá-las em parques e praças de Belo Horizonte.
Por fim, fica o desejo por continuar a aplicação deste trabalho, criando jardins com epífitas nativas em parques e praças da cidade para que possam ao menos ter a chance de se desenvolver, reproduzir e repovoar o espaço urbano do entorno e, quem sabe, fazer as pessoas terem um pouco mais de apreço pela flora nativa, e não pelos singônios e antúrios e jibóias.
Autor: Luciano Goulart é arquiteto e urbanista pela UFMG, fundador do Instituto Mata Urbana e pesquisador dos ecossistemas nativos de Cerrado e Mata Atlântica na Malha Urbana da metrópole mineira.























Comentários