De Napoleão à Brasília: as Palmeiras Imperiais nas cidades do ‘pós-império’
- Luciano Goulart
- 27 de ago.
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De símbolo do poder imperial ao modismo cafona, a Palmeira Imperial ainda se reproduz nas cidades contemporâneas. Mas será que faz sentido mantê-las?
A Palmeira Imperial (Roystonea oleraceae) é uma espécie nativa do Caribe e do Norte da América do Sul. Também é chamada de Palmeira Real, nome atribuído tanto pelo seu porte imponente (até 50 metros de altura) quanto pela relação com a família real brasileira.
Da Guiana Francesa foi levada a outros territórios franceses para compor os jardins reais. A espécie chegou ao Brasil na mesma época que a corte portuguesa: Luiz de Abreu Vieira Silva era um prisioneiro português na França, de onde conseguiu fugir ao Brasil contrabandeando sementes da palmeira para presentear Dom João VI. Talvez para desafiar a política conturbada de Napoleão Bonaparte, D. João plantou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) em 1809 a primeira Palmeira Imperial do Brasil. Apelidada de Palma Mater, viveu 160 anos até ser atingida por um raio na década de 1970 e a ela se atribui a maior parte das palmeiras imperiais atualmente cultivadas no país.

Para manter o monopólio da espécie, a gestão do JBRJ retirava da palmeira os cachos com frutos, o que atiçou ainda mais a cobiça por uma muda da planta do império. Talvez aí tenha se dado os primeiros roubos de plantas no Brasil: o Jardim Botânico era invadido durante a madrugada para roubar e comercializar as sementes, o que causou a disseminação das Palmeiras Imperiais pelo paisagismo das cidades e fazendas do Brasil Império.
Não demorou muito para que a palmeira imperial fosse confundida na paisagem com as palmeiras nativas do Brasil que, diga-se de passagem, são inúmeras. Os indígenas do litoral se referiam à terra como Pindorama - Pindó (palmeira) + ráma (terra) - justamente pela abundância dessas plantas por aqui. Jerivás, Juçaras, Macaúbas, Butiás, Açaís, Buritis, Buritiranas, são marcantes em quase todos os biomas do país.

As cidades do ‘pós-império’:
Em 1897 teve início a construção de Belo Horizonte, cidade fundada para romper com o passado imperial associado a Ouro Preto e simbolizar os ideais de uma jovem República positivista, pautada na Ordem e Progresso. A cidade dos traçados geométricos e rica paisagem, no entanto, não pôde encontrar um substituto botânico para a palmeira do império, muito embora não falte em nossas matas os Jerivás e Macaúbas. Também não faltava no paisagismo da época outras palmeiras exóticas, como a Falsa-Latânia e a Rabo-de-Raposa. A escolha para o plantio das primeiras Palmeiras Imperiais em BH na Praça da Liberdade parece ter sido uma decisão sobretudo ornamental, com o intuito de monumentalizar o eixo ao Palácio da Liberdade; ainda, uma decisão fruto da desvalorização da flora regional, muito marcante na cultura brasileira dos Jardins dos desterrados.
Muito se passou até a construção de Brasília, que compartilha com Belo Horizonte o desejo de ruptura com o passado de colônia e império, que parecia ser impossível de superar num país com a capital no Rio de Janeiro. Parece anacrônico a arquitetura moderna de Niemeyer e Lúcio Costa - que pouquíssimo ou em nada se assemelha à herança imperial - ter de conviver com as Palmeiras Imperiais plantadas na Esplanada dos Ministérios. A capital federal, já sob influência do paisagismo de Burle Marx com diversas espécies nativas, certamente não as abriga por estética.
Pindorama - Brasília
Na Esplanada dos Ministérios parece haver um resgate e valorização da história botânica e cultural do país com o plantio das Palmeiras Imperiais, além do fato de casarem relativamente bem à monumentalidade modernista. Pode ser, também, que haja uma terceira justificativa para a presença das Palmeiras Imperiais em Brasília: a simbolização de poder. Em outras palavras, poder imperial na capital da República.
Particularmente, prefiro acreditar que foram plantadas pela pressa em logo crescerem e comporem o paisagismo da cidade, enquanto os Buritis (Mauritia flexuosa) - que imporiam muito mais respeito e autenticidade à arquitetura - demoram muito mais para atingir porte satisfatório. Não que não houvessem exemplares já grandes no DF ou no Goiás que pudessem ser transferidos à Brasília, como foi o caso do solitário espécime da Praça do Buriti.
As cidades do ‘pós-império’, por assim dizer, mantiveram a esperança de romper com a estética e a cultura daquele período que se queria superar, embora estranhamente as mantivessem presentes no próprio cartão postal.
O esvaziamento de sentido no Império das Palmeiras
Não é difícil encontrar nas cidades exemplares de Palmeiras Imperiais plantadas não nos jardins públicos, mas nos imóveis particulares. Diversos condomínios, clubes e estabelecimentos comerciais ainda utilizam a Palmeira Imperial sem se ater à cafonice que estampam em suas fachadas. Não que sejam feias - pelo contrário -, mas pelo total descompasso cultural e ecológico perpetuado ainda nos dias de hoje. É como uma moto barulhenta, porém na versão planta. O que será que seus donos querem afirmar? Pode ser, na verdade, que esteja também relacionado a um certo falocentrismo ou mania de grandeza.
Aqui não se trata de demonizar a Palmeira Imperial ou substituir as existentes por outra espécie nativa - pelo menos não em qualquer canto. Elementos importantes da história devem ser recontados e valorizados, embora nem todos devam ser continuamente reproduzidos. Trata-se, na verdade, de atentar para o potencial de um paisagismo muito mais biodiverso e simbolicamente dinâmico, mas que é ativamente desperdiçado pela cultura brasileira. Somente um total esvaziamento de sentido do paisagismo pode justificar uma repetição ingênua e pouco criativa de uma estética ultrapassada.



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