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De Napoleão à Brasília: as Palmeiras Imperiais nas cidades do ‘pós-império’

De símbolo do poder imperial ao modismo cafona, a Palmeira Imperial ainda se reproduz nas cidades contemporâneas. Mas será que faz sentido mantê-las?


A Palmeira Imperial (Roystonea oleraceae) é uma espécie nativa do Caribe e do Norte da América do Sul. Também é chamada de Palmeira Real, nome atribuído tanto pelo seu porte imponente (até 50 metros de altura) quanto pela relação com a família real brasileira.


Da Guiana Francesa foi levada a outros territórios franceses para compor os jardins reais. A espécie chegou ao Brasil na mesma época que a corte portuguesa: Luiz de Abreu Vieira Silva era um prisioneiro português na França, de onde conseguiu fugir ao Brasil contrabandeando sementes da palmeira para presentear Dom João VI. Talvez para desafiar a política conturbada de Napoleão Bonaparte, D. João plantou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) em 1809 a primeira Palmeira Imperial do Brasil. Apelidada de Palma Mater, viveu 160 anos até ser atingida por um raio na década de 1970 e a ela se atribui a maior parte das palmeiras imperiais atualmente cultivadas no país. 


Memorial no JBRJ. "A PALMA MATER ESTÁ MORTA: o raio foi cruel demais. Roubou-nos a mais preciosa planta do Jardim Botânico, a PALMA MATER, mãe de todas as de suas espécies cultivadas neste jardim e em todo o Brasil". Imagem do autor, abril 2023.
Memorial no JBRJ. "A PALMA MATER ESTÁ MORTA: o raio foi cruel demais. Roubou-nos a mais preciosa planta do Jardim Botânico, a PALMA MATER, mãe de todas as de suas espécies cultivadas neste jardim e em todo o Brasil". Imagem do autor, abril 2023.

Para manter o monopólio da espécie, a gestão do JBRJ retirava da palmeira os cachos com frutos, o que atiçou ainda mais a cobiça por uma muda da planta do império. Talvez aí tenha se dado os primeiros roubos de plantas no Brasil: o Jardim Botânico era invadido durante a madrugada para roubar e comercializar as sementes, o que causou a disseminação das Palmeiras Imperiais pelo paisagismo das cidades e fazendas do Brasil Império.


Não demorou muito para que a palmeira imperial fosse confundida na paisagem com as palmeiras nativas do Brasil que, diga-se de passagem, são inúmeras. Os indígenas do litoral se referiam à terra como Pindorama - Pindó (palmeira) + ráma (terra) - justamente pela abundância dessas plantas por aqui. Jerivás, Juçaras, Macaúbas, Butiás, Açaís, Buritis, Buritiranas, são marcantes em quase todos os biomas do país.


Alameda de Palmeiras Imperiais no Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Imagem do autor, 2023.
Alameda de Palmeiras Imperiais no Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Imagem do autor, 2023.

As cidades do ‘pós-império’:


Em 1897 teve início a construção de Belo Horizonte, cidade fundada para romper com o passado imperial associado a Ouro Preto e simbolizar os ideais de uma jovem República positivista, pautada na Ordem e Progresso. A cidade dos traçados geométricos e rica paisagem, no entanto, não pôde encontrar um substituto botânico para a palmeira do império, muito embora não falte em nossas matas os Jerivás e Macaúbas. Também não faltava no paisagismo da época outras palmeiras exóticas, como a Falsa-Latânia e a Rabo-de-Raposa. A escolha para o plantio das primeiras Palmeiras Imperiais em BH na Praça da Liberdade parece ter sido uma decisão sobretudo ornamental, com o intuito de monumentalizar o eixo ao Palácio da Liberdade; ainda, uma decisão fruto da desvalorização da flora regional, muito marcante na cultura brasileira dos Jardins dos desterrados


Muito se passou até a construção de Brasília, que compartilha com Belo Horizonte o desejo de ruptura com o passado de colônia e império, que parecia ser impossível de superar num país com a capital no Rio de Janeiro. Parece anacrônico a arquitetura moderna de Niemeyer e Lúcio Costa - que pouquíssimo ou em nada se assemelha à herança imperial - ter de conviver com as Palmeiras Imperiais plantadas na Esplanada dos Ministérios. A capital federal, já sob influência do paisagismo de Burle Marx com diversas espécies nativas, certamente não as abriga por estética. 


Pindorama - Brasília


Na Esplanada dos Ministérios parece haver um resgate e valorização da história botânica e cultural do país com o plantio das Palmeiras Imperiais, além do fato de casarem relativamente bem à monumentalidade modernista. Pode ser, também, que haja uma terceira justificativa para a presença das Palmeiras Imperiais em Brasília: a simbolização de poder. Em outras palavras, poder imperial na capital da República.


Particularmente, prefiro acreditar que foram plantadas pela pressa em logo crescerem e comporem o paisagismo da cidade, enquanto os Buritis (Mauritia flexuosa) - que imporiam muito mais respeito e autenticidade à arquitetura - demoram muito mais para atingir porte satisfatório. Não que não houvessem exemplares já grandes no DF ou no Goiás que pudessem ser transferidos à Brasília, como foi o caso do solitário espécime da Praça do Buriti


As cidades do ‘pós-império’, por assim dizer, mantiveram a esperança de romper com a estética e a cultura daquele período que se queria superar, embora estranhamente as mantivessem presentes no próprio cartão postal. 


O esvaziamento de sentido no Império das Palmeiras


Não é difícil encontrar nas cidades exemplares de Palmeiras Imperiais plantadas não nos jardins públicos, mas nos imóveis particulares. Diversos condomínios, clubes e estabelecimentos comerciais ainda utilizam a Palmeira Imperial sem se ater à cafonice que estampam em suas fachadas. Não que sejam feias - pelo contrário -, mas pelo total descompasso cultural e ecológico perpetuado ainda nos dias de hoje. É como uma moto barulhenta, porém na versão planta. O que será que seus donos querem afirmar? Pode ser, na verdade, que esteja também relacionado a um certo falocentrismo ou mania de grandeza. 


Aqui não se trata de demonizar a Palmeira Imperial ou substituir as existentes por outra espécie nativa - pelo menos não em qualquer canto. Elementos importantes da história devem ser recontados e valorizados, embora nem todos devam ser continuamente reproduzidos. Trata-se, na verdade, de atentar para o potencial de um paisagismo muito mais biodiverso e simbolicamente dinâmico, mas que é ativamente desperdiçado pela cultura brasileira. Somente um total esvaziamento de sentido do paisagismo pode justificar uma repetição ingênua e pouco criativa de uma estética ultrapassada. 


 
 
 

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