BH antes do Curral Del Rei: as plantas ancestrais da capital mineira
- Luciano Goulart
- 27 de ago.
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Texto baseado no artigo “Ancient Plants in the Contemporary Urban Landscape”, desenvolvido pelo autor e apresentado no International Conference of Undergraduate Research, da Universidade de Warwick (Inglaterra).
A história de Belo Horizonte é contada, quase sempre, começando da fundação da cidade a partir de um distrito de Sabará. Ao contrário de outras capitais mais antigas que tiveram a presença indígena mais documentada, BH parece ter começado para a história somente como Curral Del Rey. Em cinco anos de formação de arquitetura e vinte e seis como morador da capital, eu nunca havia tido contato com a arqueologia do município, muito embora cidades próximas sejam riquíssimas em vestígios - como Santa Luzia e Lagoa Santa.
Estava cursando uma das últimas disciplinas da graduação, com o professor Frederico Canuto, quando fomos a uma visita à exposição “Diversidade em contextos arqueológicos indígenas de Minas Gerais ao longo dos últimos quatorze mil anos”, no Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG (UFMG). Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foram os vestígios de coquinho Macaúba (Acrocomia aculeata) e Jatobá (Hymenaea courbaril) encontrados em sítios arqueológicos no Norte de Minas, datados de uns 14 mil anos. Ao final da visita, os visitantes recebiam um pequeno livro contando um pouco mais sobre a arqueologia em contexto indígena no estado e uma coletânea de textos da década de 40, escritos pelo professor Aníbal Mattos, sobre os achados arqueológicos de Belo Horizonte.
Embora os achados sejam quase sempre utensílios cerâmicos e ferramentas de pedra, eles ainda podem armazenar restos de alimentos - como mandioca, milho e frutas diversas - e fibras utilizadas para diversos fins - como algodão, fibras de palmeiras e bromélias. Decidi me debruçar no tema buscando vestígios das plantas que habitavam a cidade antes do então Curral Del’Rey, uma vez que podem fornecer dados valiosos para uma proposta de paisagismo único e simbolicamente rico para a cultura e o contexto ambiental de BH.
No texto do professor Aníbal, no entanto, o único vestígio arqueo-botânico para BH são cinzas de uma espécie de Cariapé, árvore utilizada para a queima de cerâmica. O próprio autor, entretanto, especula sobre as espécies de plantas que habitavam aquela paisagem, descrita por ele como uma grande mata que iria desde o Horto Florestal até ‘as fraldas da Serra do Curral’ e que foram ativamente estudadas por Álvaro da Silveira - um botânico e político que virou nome de Avenida no Barreiro. Álvaro destacava a presença abundante de várias espécies hoje praticamente inexistentes na cidade:
Cajuzinho do Cerrado (Anacardium humile)
Araticum-manso (Anona muricata)
Mangaba (Hancornia speciosa)
Cagaiteira (Eugenia dysenterica)
Jatobá do cerrado (Hymenaea Stigonocarpa)
Pêssego do mato (Pouteria torta)
fruta de manteiga (Pouteria ramiflora)
Pequi (Caryocar brasiliense)
Além desses, também é contada uma abundância marcante de pitangas, guarirobas, araçás e muricis. Os próprios autores do livro destacam a permanência desses frutos à época dos escritos (1947) na Serra do Curral, hoje já bastante degradada e invadida por pinheiros, capins invasores e mineradores.
Essa lista é muito curta para a real diversidade de plantas na capital: a jabuticaba, por exemplo, muito abundante em Sabará, também estava por aqui aos montes; também as lobeiras e paus-santo, Lixeiras e Barbatimões, ainda hoje presentes na Serra do Curral. Sem contar as árvores mais características da Mata Atlântica que ocupavam localidades distintas da cidade, próximas a cursos d’água, como o Pau Jacaré, Jequitibá, Copaíba e Guanandi.
Entretanto, enquanto capital e em uma área de transição de biomas, BH pode abrigar uma diversidade de plantas que simbolize a biodiversidade mineira que, diga-se de passagem, é bastante característica dada a presença de três biomas por aqui: Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga. As plantas encontradas em vestígios arqueológicos em Minas Gerais abrem ainda mais o leque de possibilidades para um paisagismo sustentável no estado: 116 espécies, como Buritiranas, Butiás, Urucum, Sucupira, Pau-santo, entre outras.
A reflexão que permanece nesse e em outros textos do Blog diz sobre a total ausência dessas espécies na tal ‘Cidade Árvore’ - título que BH orgulhosamente carrega. Quantas casas da BH do século XX abrigavam uma ou várias dessas plantas em seus quintais? Quantas mudas já foram trocadas entre vizinhos, frutos compartilhados ou reclamações geradas por seus frutos na rua?
E ainda: quantas oportunidades de inseri-las na paisagem urbana se perderam para as plantas de um paisagismo genérico, cheio de murtas, pingos d’ouro e palmeirinhas-fênix? Bastante movido por essas oportunidades, surgiu o projeto Biodiversifica!, criado pelo Mata Urbana quando vinculado à UFMG, e que atualmente é o principal produto do Instituto.
Permanece o desejo de ver essas plantas na cidade, seja nos quintais ou nas praças e parques que uma cidade preparada para receber a natureza com certeza deve incentivar o plantio de árvores nativas e biodiversas. Talvez a verdadeira ‘Cidade Árvore’ seja capaz de recuperar e revalorizar as espécies que eram mais abundantes na região.
Autor: Luciano Goulart é arquiteto e urbanista pela UFMG, fundador do Instituto Mata Urbana e pesquisador dos ecossistemas nativos de Cerrado e Mata Atlântica na malha urbana da metrópole mineira.


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